Dados em rótulos de alimentos podem salvar vida de alérgico

Urticária, inchaço, coceira, eczema, dor abdominal ou até mesmo comprometimento de órgãos. Quem sofre de alergia alimentar conhece bem esses sintomas. E enfrenta diariamente os riscos decorrentes da falta de uma legislação que obrigue os fabricantes de alimentos a expor nos rótulos dos produtos a presença de alérgenos.

O problema poderá, contudo, ser minimizado a partir de julho, quando termina o prazo para a adequação da rotulagem a uma norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e futuramente com a eventual aprovação de um projeto de lei que tramita no Senado.

A mobilização em favor da regulamentação é liderada pela associação de defesa dos direitos dos consumidores Proteste e pela equipe da campanha Põe no Rótulo. A campanha foi criada em fevereiro de 2014 por famílias brasileiras de alérgicos alimentares que se uniram pela internet para reivindicar o direito à informação. A iniciativa teve adesão de mais de 100 mil pessoas e o apoio de famosos como o ator Mateus Solano, o ex-jogador Zico e a cantora Paula Toller.

Foi a pressão desses movimentos que levou a Anvisa a aprovar, em junho de 2015, norma determinando que indústrias de alimentos e bebidas coloquem aviso nos rótulos de seus produtos sobre a presença de ingredientes com maior potencial de causar alergias (veja oSaiba mais).

A regra também prevê que as empresas informem a possibilidade de contaminação dos alimentos, durante a fabricação, por produtos não previstos. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando um biscoito que não contém amendoim é processado na mesma máquina que fabrica outro produto com essa leguminosa. O alerta de que o biscoito “pode conter traços de amendoim” deve estar estampado em negrito, logo após a lista de ingredientes.

Intolerância

Antes da norma da Anvisa, a legislação determinava apenas que as empresas informassem a lista de ingredientes e a eventual presença de glúten. No entanto, doença celíaca (ou outro tipo de intolerância ao glúten) e intolerância à lactose não são consideradas alergias alimentares. O consultor do Senado Denis Murahovschi explica que pessoas com alergias podem desenvolver reações graves a alimentos que são consumidos de forma segura pela maior parte da população, mesmo quando ingeridos em pequenas quantidades.

— Indivíduos com alergia ao leite podem desenvolver complicações graves, como choque anafilático [reação com risco de morte], ao consumirem pequenas quantidades desse produto, enquanto pessoas com intolerância à lactose suportam quantidades bem maiores — destaca.

Nos casos mais graves, os malefícios aparecem pouco tempo após o contato com o alimento. Em outros, podem levar dias para surgir. No Brasil, o problema atinge entre 6% e 8% das crianças com menos de três anos, e de 2% a 3% da população adulta.

Ovo, leite, amendoim, soja, trigo, castanhas, peixes e crustáceos são os responsáveis por cerca de 90% das alergias. Como não existe cura, a restrição no consumo é a principal alternativa para prevenir o aparecimento das complicações clínicas.

Projeto

Outra iniciativa com objetivo semelhante à norma da Anvisa é um projeto de lei do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentado no ano passado. O texto determina que os rótulos dos alimentos informem a presença de substâncias potencialmente alérgenas.

O PLS 155/2014 está na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde receberá decisão final. O relator é Eduardo Amorim (PSC-SE). Valadares argumenta que, apesar de haver a descrição dos ingredientes, as informações nem sempre são completas e frequentemente contêm termos técnicos ou científicos, dificultando o entendimento. Estudos da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mostraram que 39,5% das reações alérgicas foram relacionadas a erros na leitura de rótulos. A própria Anvisa identificou que as diferentes formas de rotular alergênicos causam confusão e insegurança.

O senador defende que o aviso no rótulo evita desconfortos ou ocorrências médicas, com custo adicional praticamente nulo para os fabricantes. “Nossa iniciativa, além de ampliar o direito de informação, promove a modernização da legislação brasileira de rotulagem de alimentos, pois propõe medida semelhante àquela adotada nos países da União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia”, justifica no projeto.

Compreensão

Os alérgicos confirmam as dificuldades apontadas pelo senador. Decifrar os ingredientes em meio a letras minúsculas, conhecer as diferentes nomenclaturas usadas para identificar um ingrediente, e não ter informações básicas sobre a presença de alérgenos  (como o uso de termos genéricos que não identificam a origem) são alguns dos desafios que eles encontram.

A professora Juliana Póvoa, de 35 anos, é alérgica à alfa-lactoalbumina, uma das proteínas do leite. Ela descobriu já adulta e chegou a ser internada com crises de asma, bronquite e eczema. Para Juliana, falta entendimento das pessoas sobre a seriedade da questão.

— Nós, alérgicos, estamos expostos a diversos riscos, constantemente. Não temos escolha — afirma.

O servidor público Eduardo Xavier, de 39 anos, descobriu que é alérgico a frutos do mar, especialmente camarão, quando tinha 8 anos. Tentou ignorar os sintomas e continuar ingerindo os alimentos, mas a hipersensibilidade avançou.

— Da última vez que comi, fui parar no hospital com edema de glote — conta.

Para a advogada Cecilia Cury, uma das coordenadoras da campanha Põe no Rótulo, informação adequada pode salvar vidas.

— Estamos acompanhando de perto as mudanças em muitos rótulos, o que confirma não só a viabilidade do atendimento à regulamentação, mas, especialmente, o reconhecimento da relevância do tema.

Fonte: Agência do Senado

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